Foi no estágio voluntário nas pequenas localidades em torno a Aimorés (Vale do Rio Doce, ES) que me deparei pela primeira vez com casos de hanseníase. Os primeiros nunca vou esquecer: era a mãe trazendo 2 filhos pequenos, muito ativos, portanto em bom estado geral. Queixava-se de algumas manchas brancas na pele deles “que nunca pegam poeira“. Explicou, que ao final da tarde, depois de jogar, os dois voltavam para casa suados e sujos, mas a poeira das ruas onde brincavam não aderia em certas partes do corpo. Fui observando, e naquelas partes a pele era seca mesmo e não suava, no calor extremo da região.
Na precariedade dos postos de saúde, uma agulha esterilizada existia. Finquei alguns milímetros nas manchas, observando que as 2 crianças nada sentiam, seguiam rindo. Com emoção de estar prestes a produzir meu primeiro diagnóstico de uma doença importante (então conhecida como lepra), acabei forçando a agulha pra me certificar total. Acabou sangrando um pouco, mas os 2 continuaram rindo, sem reagir ao teste de sensibilidade. Depois disso, outros casos apareceram, e na conversa com o médico comunitário do posto de Aimorés fiquei sabendo que se tratava de região endêmica. Depois, em Porto Alegre, alguns casos esporádicos de cearenses residindo aqui, que comunicaram o diagnóstico e familiares de lá foram detectados com a doença. Isso acabou despertando meu interesse na dermatologia.
A hanseníase é causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Primeiros sinais são manchas esbranquiçadas, amarronzadas e avermelhadas, com perda da sensibilidade à temperatura, à dor ou ao toque. O corpo também pode apresentar outras manifestações: sensação de fisgada, choque, dormência e formigamento nos membros. Os pacientes podem apresentar queda dos pelos, sensação de nariz entupido e diminuição da sensibilidade e/ou perda da força muscular dos pés e mãos, justamente pelo acometimento dos nervos periféricos. Nas fases agudas, podem aparecer caroços nas orelhas, nas mãos, nos cotovelos e nos pés.
A vantagem do diagnóstico precoce é o pronto tratamento, impedindo que o Mycobacterium se alastre pelos nervos superficiais da pele e troncos nervosos periféricos, e órgãos internos. Feito no momento certo, as sequelas deixam de ocorrer, assim como lesões vasculares e paralisias nos braços e pernas e o doente pode ter uma vida normal.
No Brasil, o SUS oferece tratamento gratuito – que varia de seis meses a um ano – nos postos de saúde. Mesmo assim, a cada ano, somam-se mais 30.000 novos doentes que são detectados e o país é segundo lugar no mundo em casos de hanseníase, atrás da Índia, apenas. Como existe focos em áreas de baixos recursos médicos, esse número deve ser bem maior e muitos pacientes não-diagnosticados.